segunda-feira, 30 de agosto de 2010

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"Morro Bem, Salvem a Pátria!"
José Jorge Letria
Oficina do Livro
 
O centenário da República é uma daquelas oportunidades que as editoras, por norma, não desperdiçam. Poto isto, não faltam, nos escaparates, os mais diferentes títulos e géneros a explorar o filão republicano. Há ensaios, romances, biografias, para todos os gostos e tendências. Não é de admirar que um dos mais prolíficos autores de lingua portuguesa, José Jorge Letria, tenha aproveitado o embalo e posto cá fora uma especialíssima leitura da figura de Sidónio Pais.
Esta reconstituição da figura e dos últimos dias da vida de Sidónio, a quem Fernando Pessoa chamou “Presidente-Rei”, é uma versão revista e aumentada de um livro anteriormente editado pela Âmbar.
Neste livro, de leitura rápida, José Jorge Letria faz uma viagem pela vida e personalidade de Sidónio Pais muito impressiva, sem se deter em grandes detalhes ou reconstituições, que transmite o ar do tempo e os traços de caráter desta reencarnação do “desejado”.
Letria chama o leitor aos vários teatros onde se constrói o mito, onde nascem as conspirações e se concretiza o atentado.
A narrativa, que não é linear, recorre a personagens conhecidos (Fernando Pessoa) e desconhecidos (o barbeiro) para traçar o ambiente social e psicológico do Portugal de 1918.
Saídos de uma I Grande Guerra onde perdemos mais de cinco mil soldados e da mortandade da gripe espanhola, Portugal é um país órfão. Sidónio é um homem cerebral, fã do estruturalismo alemão e de uma forma de estar embebida de princípios militares.
Este jovem diplomata, figura menor da vida política portuguesa, acaba por ser visto como a solução para ressuscitar o país.
O povo que aclama Sidónio está muito longe das elites que urdem conspirações para afastar o jovem galã.
Conhecido pelo sucesso que tinha junto das mulheres, Sidónio vai manter-se fiel à sua formação militar e recusará voltar a cara à luta. De tal forma se mostra destemido que acaba por caminhar de peito aberto para as duas balas que lhe estavam reservadas na estação do Rossio.
“Morro Bem, Salvem a Pátria”, editado pela Oficina do Livro é uma ótima aproximação a uma figura polémica, que, reza a história, terá inspirado Benito Mussolini e Oliveira Salazar.
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"Os Subterrâneos da Liberdade"
Jorge Amado
D Quixote

Durante muitos anos, literatura brasileira foi sinónimo de Jorge Amado. Capaz de conquistar leitores no meio intelectual, assim como chegar às grandes massas, Amado acabou por servir de tampão a muita outra grande literatura brasileira.
As adaptações dos seus romances à telenovela, então em ascensão, fez dele o baluarte de uma certa literatura de cor local.
Muitos portugueses acreditavam que o Brasil era só o Brasil baiano de Jorge Amado, o Brasil de Gabriela, de Dona Flor ou da quente Tieta do agreste.
O facto é que a literatura brasileira é mais larga do que essa imagem quase caricatural, e a obra de Amado também é muit mais do que esses romances “anovelados”.
Muitos acabaram por encontrar um outro Amado, um escritor mais político e interventor. A filiação à esquerda, nunca escondida, foi descoberta em obras como os “Capitães da Areia”. Mas essa obra emblemática fica muito longe dos três volumes que a D. Quixote, em boa hora, agora publica intitulados “Subterrâneos da Liberdade”.
Caindo na tentação de dizer uma heresia, estes três livros são um equivalente ao “Tempo e o Vento” de Érico Veíssimo.
Amado descreve a luta de um país contra a ditadura de Getúlio Vargas, como se instala um poder, que sendo velho, se intitula “Novo”. Este é um belo romance paraperceber como Portugal e Brasil são mais irmãos do que, por pura ignorância, imaginamos.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Infelizes à sua maneira

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                                    Desfile de Primavera
                                          Richard Yates                     
                                             Quetzal
Num tempo em que a crise parece ter tomado conta das nossas vidas, por que não olhar para a literatura pós-crise. Estou a falar da literatura de Richard Yates, o norte-americano que melhor retratou a América pós-crash bolsista de 1929.
Depois de ter publicado “Jovens Corações em Lágrimas” e “Perto da Felicidade”, a Quetzal editou agora “O Desfile de primavera”.
Voltamos ao cenário favorito de Yates, a América dos anos 30/40 e à vida de uma família de classe média-baixa, marcada por um divórcio.
Duas irmãs, Sarah e Emily, concentram as atenções, desde os tempos de meninas, em que deambulavam de terra em terra com mãe, à morte do pai e ao descobrir do amor e da sexualidade.
Yates conta, como poucos, a o dia a dia das vidas cinzentas e medíocres. “O Desfile de primavera”, á semelhança dos antecessores, traça o retrato nu da luta pela dignidade e ascensão social, mas também os sonhos desfeitos e a derrota, lenta e desgastante, imposta pelo quotidiano.
Tolstoi, na abertura do Anna Karenina, dizia que “todas as famílias felizes são iguais. As infelizes  são-no cada uma à sua maneira”. Yates parte deste pressuposto para desmontar essa ideia peregrina da vida normal. Sarah e Emily vão trilhar vidas normais marcadas pela anormalidade do alcoolismo, do casamento falhado, do desemprego e do sexo fortuito.  
Se o título do romance remete para a primavera, será justo dizer que o universo de Richard Yates é muito mais Outonal que primaverial. Este é uma das obras fundamentais de um autor que andou demasiado tempo longe da edição portuguesa.

Livros para ler com os pés no mar

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Depois de um ano mergulhado no mais profundo sedentarismo nada sabe melhor do que ir para a praia, local propício à prática do desporto, e levar um livro ou vários. Assim sendo ficam algumas das sugestões de leitura para vários gostos e tendências.
Férias é sinónimo de viagem, daí que a coleção de literatura de viagens, da Tinta da China e coordenada pelo jornalista Carlos Vaz Marques, seja uma escolha mais do que acertada. Dos títulos já disponíveis destaco a chegada tardia às traduções portugueses de um grande escritor, Brendan Behan e o seu “Nova Iorque”. Este boémio, que viveu e escreveu mergulhado em litros de álcool, faz um retrato apaixonante da cidade que nunca dorme e que se pode sintetizar numa das suas frases emblemáticas: “Depois de ter estado em Nova Iorque qualquer pessoa que regresse a casa dar-se-á conta de que o seu lugar de origem é bastante escuro". Nesta mesma coleção saiu, recentemente, o único livro de não ficção de Agatha Christie “Na Síria”.
Saltando para o universo do romance, a primeira sugestão de fôlego vai para “Por favor não matem a cotovia”, de Harper Lee. Este romance, que valeu à autora o Pulitzer, é a história de uma América marcada pelas divisões Norte/Sul, contada pelos olhos de uma menina que vai acompanhar o julgamento de um negro acusado ter supostamente violado uma rapariga branca. A comemorar os 50 anos da sua edição, este romance dá a conhecer uma América pós-grande depressão que encontra muitos pontos de contacto com os dias de hoje.
Outro romance de fôlego a merecer atenção, sobretudo para quem gosta de universos mais racionais, é “O escriturário indiano”, de David Leavitt. Também ele passado na primeira metade do século XX, este romance conta a história de um génio matemático indiano que resolve um problema quase impossível e é convidado a viajar até Inglaterra, onde se vai envolver em tramas de inveja e amor. Estando nós no verão, nada melhor do que ler sobre o verão, para o caso “Três Verãos”, de Julia Glass. Esta história sobre as venturas e desencontros da família escocesa McLeod valeu a Glass o National Book Award. 
Para leitores mais avessos a grossos volumes, há sempre a possibilidade de aproveitar para ler o segundo romance de Chico Buarque, “Benjamim”. Reeditado pela D Quixote, este romance conta a história e obsessões de um ex-modelo fotográfico revelando um talento que se confirmaria em “Budapeste” e “Leite derramado”.
Fecho com um livro bom para ler no verão, o livro que inspirou a criadora da série “Sexo e a Cidade”, falo de “O grupo”, de Mary MacCarthy. Neste livro acompanhamos um grupo de várias jovens, em plenos anos 30 e numa das mais elitistas universidades americanas. O amor, o sexo, o trabalho, enfim o quotidiano destas oito mulheres é a matéria prima para um sem número de aventuras femininas.
No campo da literatura histórica e fantástica a sugestão só poderia ir para um dos autores clássicos, Marion Zimmer Bradley e “A espada de Avalon”. Depois do sucesso de “Brumas de Avalon”, este romance fecha o ciclo, contando o que se passou antes desse romance mítico e de que forma Mykantor tomou contacto com a famosa espada Excalibur.
Um dos livros mais incatalogáveis deste ano tem a chancela da Quetzal e chama-se “O livro dos prazeres inúteis”, de Tom Hodgkinson e Dan Kieran. “O prazer inútil é também amigo do ambiente. Não há nada que seja menos prejudicial ao ambiente do que não fazer nada. Deitar-se no campo a olhar para o céu pode ser um ato curativo do planeta”, garantem os autores de uma pérola do bem viver. 
Termino com a sugestão de um ensaio, chama-se “Vergílio Ferreira – o excesso da arte num professor por defeito”, de Maria Almira Soares. Este ensaio, que pesa a importância da escola e da sua atividade como professor na obra e vice-versa, foi o vencedor do Prémio Literário Vergílio Ferreira. Perceber como o rigor do professor se ligava com a imaginação do escritor é um desafio que a autora conduz com muita inteligência. Um livro que sai no excato momento em que a obra o do escritor é reeditada e acaba de sair um romance inédito.
Estas são algumas das sugestões para umas tardes de verão bem passadas á beira-mar.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

“Brasileiros vivem melhor mas não querem saber da cultura”

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                                                                                     Foto Carol Reis

Fez a estreia, no romance, com o belíssimo “De cada amor tu herdarás só cinismo”, agora, Arthur Dapieve, acaba de editar, em Portugal, “Blackmusic”. Um dos mais respeitados críticos musicais brasileiros e colunista do Globo, Dapieve constrói o relato de um sequestro recorrendo a três estilos musicais negros, o Jazz, o rap e o funk carioca. Ao Marechal na Reserva falou do novo romance e de uma cidade partida entre pobres e ricos.
Marechal na Reserva (MR) – Como é que surgiu a ideia de contar a história de um sequestro utilizando, para isso, o fraseado de três tipos de música negra?
Arthur Dapieve (AD) – A ideia do sequestro surgiu no exacto local em que ele ocorre no romance, no dia de S. Judas Tadeu, no Rio, junto a uma igreja perto do local onde moro. Eu fiquei preso num engarrafamento e, com aquela confusão toda tipo bazar, eu pensei: “se acontecesse um sequestro aqui ninguém notaria”. Aí eu comecei a imaginar como seria esse sequestro. Regressei nos dois anos seguintes ao mesmo local, no dia da festa, para ver melhor o que eles faziam, o que comiam, portanto vários personagens foram ali observados. A ideia dos três registos nasceu no momento em que defini que o sequestrado seria um menino americano, negro, no Brasil. Esta seria uma forma de abordar, sem ser um romance de tese, a questão da raça no Brasil. O Brasil adora dizer que não tem problema com raça. Isso é uma mentira.

MR - Mas este esquema de romance como manta de depoimentos surge como?
AD - A ideia desses três registos vem do “Som e a Fúria”, do Faulkner. O primeiro personagem que aparece no livro e que não tem qualquer importância, é só um garotinho com vontade de urinar, tem o nome do Faulkner, William Cuthbert F.. O “Som e a Fúria” é construído assim, através de vários depoimentos. Como sou jornalista e escrevo muito sobre música, tinha a ideia de construir mais um romance que usasse a música para falar do Rio de Janeiro e vice-versa. E por conta da faixa etária dos personagens, todos adolescentes, para os quais a música americana é muito forte. A primeira parte é a voz de um menino americano ligado ao jazz, na segunda o rap - que não é tão forte no Rio como é em S.Paulo - cantado por um branco para  haver uma inversão, e a terceira parte uma mulata que gostasse de funk carioca.

MR – A forma como através da escrita constrói cada um dos depoimentos, segue a linha melódica de cada um dos estilos musicais. Foi propositada a harmonização da escrita com a melodia dos diferentes géneros? Por exemplo o rapaz que é raptado tem uma atitude muito cool, própria do som do Miles Davis e até a sua voz – na transição da adolescência – remete para o som do trompete.
AD – Foi sim. É mesmo assim como você descreve. Para além disso o rapaz tem uma atitude muito cartesiana. Apesar de estar numa situação absurda, ele ainda suspeita que os terroristas muçulmanos, ele descreve a situação de uma forma muito calma. O grande desafio foi mesmo fazer o rap. Ele não podia ser muito grande para não ser entediante, nem curto de mais que se tornasse insignificante. A primeira versão que fiz era muito maior e fui cortando. Eu fiz todas as experiências. Experimentei lê-lo como um rap para ver se funcionava bem e se era verosímel. Quanto ao funk carioca, o género preferido da Jô, uma das suas características é falar de sexo desabridamente. Um dia uma amiga comprou um CD pirata e mostrou-me. Eu fiquei horrorizado com o que ouvi. É de uma grosseria. É uma mulher a cantar e é um jorro. Curiosamente esta parte foi a mais fácil de fazer. Eu pensei que escrever do ponto de vista de uma mulher pudesse ser mais complicado, mas foi a parte do livro que andou mais rápido.

MR - O desbragamento do funk carioca, acaba por ter reflexo em quem ouve, ou é uma emanação de uma determinada cultura de morro?   
AD – Eu acho que é um círculo, mas para mim começa na vida. A condição de quem vive na favela é uma condição de alguma violência. A juntar a isso a falta de cômodos nas casas há muita promiscuidade. Os jovens começam a vida sexual muito cedo. Por isso eu acho que a raiz está aí. Quando o funk surgiu muita gente ficou escandalizada e dizia que isto não era música. Mas é música. Não é música que eu ouça em casa – até porque tenho crianças – mas é música. É o mesmo discurso igual ao que saudou o aparecimento do jazz, o aparecimento do rock. É uma cultura muito erotizada, em que as meninas ficam grávidas muito cedo. 

MR – O Zuenir Ventura tem um livro que fala no Rio como uma “Cidade Partida”. O fosso entre ricos e pobres continua a crescer ou já se nota uma aproximação entre esses dois mundos?
AD – É muito profunda. Nos últimos 16 anos, com a continuidade do governo Fernando Henrique Cardoso e Lula (aliás eles se detestam porque são muito parecidos), o país teve uma estabilidade económica e a crise não foi muito forte. Nesses anos a distância entre ricos e pobres diminuiu. Neste momento a classe média já é o segmento mais forte da sociedade, mas é uma classe média muito estreita. A classe média no Brasil é quem ganha entre 500 e 1500 euros, o que é muito pouco. Mas como o custo de vida não é alto, dá para as pessoas melhorarem a sua condição. Outro problema é que essa maior fluência económica não está a ser acompanhada por uma maior fluência cultural. Um dos pontos de estrangulamento económico do Brasil é a falta de qualificação da mão de obra. Há algumas empresas com vagas que não são preenchidas por falta de mão de obra qualificada. Não ficaria admirado se houvesse um novo surto de emigração, sobretudo oriundo de países da América Latina. Para quem como eu é jornalista e acompanha o panorama cultural, é muito triste ver tanta gente com dinheiro que não é capaz de comprar um livro. Aliás nem saberia sequer quem é Zuenir Ventura.
 

Marechal na reserva © 2010

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