terça-feira, 30 de agosto de 2011

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A Delicadeza
David Foenkinos
Presença

David Foenkinos é francês, nasceu na década de 70 do século passado e, até agora, era um desconhecido em Portugal. A publicação de “A Delicadeza” apresenta-nos um autor multifacetado, culto e com talento suficiente para ser nomeado para todos os grandes prémios literários franceses.
Foenkinos gosta de experimentar vários registos de escrita, seja através do Teatro ou da Banda-Desenhada. “A Delicadeza” mostra toda a plasticidade literária do autor e a sua capacidade de nos colocar cara a cara com as interferências da vida, os registos banais que moldam a singularidade da nossa existência.
Diz o dicionário que Delicadeza é: “Qualidade do que é delicado; Fragilidade; Suavidade; Cortesia amável; Cuidado; Debilidade; Elegância; Susceptibilidade; Escrupulosidade; Apuro, perfeição”.
Sendo um músico de jazz por formação, Foenkinos compõem este romance como uma sucessão de variações sobre um tema. Partindo de todas as cambiantes da palavra, o autor desenha duas histórias de amor. A primeira história é construída por François e Nathalie, um casal que se ama perdidamente. Este amor delicado, porque elegante e perfeito, morre num acidente de viação que ceifa a vida a François.
Nathalie é instada a refazer a sua vida fazendo o luto concentrando-se no trabalho. Até um dia. Até ao dia em que, sabe lá ela porquê, decide beijar Markus, um colega de trabalho sueco.
Malcom Gladwell, mundialmente conhecido pelo best-seller “Bink”, garante que muitas das melhores e mais acertadas decisões e opiniões são provocadas pela primeira impressão e tomadas num piscar de olhos. Será que o nosso cérebro decide quem vamos amar sem sequer nos avisar?
Nathalie não deve ter lido o “Blink”, mas esse acto irreflectido vai abrir-lhe as portas para um sem número de diferentes delicadezas da vida.
Desengane-se quem pense que esta é uma história frágil, uma porcelana chinesa capaz de estilhaçar entre dois dedos.
Este é um romance sofrido. De um sofrimento contido e muitas vezes tenso. Um romance que prova que as grandes histórias de amores podem nascer longe de todos os clichés e lugares-comuns.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Há moscas na ilha da fantasia

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Alçapão
João Leal
Quetzal

“Alçapão” é a feliz estreia literária de João Leal. Trata-se de um romance de mistério que parte de um jovem criado num lar para crianças desfavorecidas, onde prevalecia a violência entre pares, para uma viagem a uma ilha fantástica.
À semelhança do que acontece no “Senhor das Moscas”, do nobelizado William Golding, aqui também temos bem presente a violência extrema entre crianças forçadas a organizar-se sem controlo parental ou institucional.
Os padres, que surgem sempre como entidades ausentes e preocupadas somente com aspectos burocráticos, deixam que os jovens se estratifiquem e imponham um código penal muito violento.
Rodrigo, depois da morte dos pais, é forçado a crescer nesse ambiente até ao dia em que é salvo por um padre que troca a sotaina pelo jazz.
O seu amigo Jorge é salvo pela arte e pela necessidade de refazer a sua história familiar. Estes dois homens vão embarcar numa viagem que os vai levar muito mais longe do que alguma vez imaginaram.
João Leal cruza, neste romance, a realidade mais crua com um intenso universo fantástico. Um livro a descobrir, num género particular e que conta, em Portugal, com poucos e bons cultores como se adivinha que João Leal possa vir a ser.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Um silêncio herético

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A Mentira Sagrada
Luis Miguel Rocha
Porto Editora


Luis Miguel Rocha é dos autores portugueses que mais vende em todo o mundo e é o únco a ter estado no top dos mais vendidos do New York Times.
“O Último Papa” e “A Bala Santa” levaram este jovem escritor de Viana do Castelo, e agora radicado no Porto, a assinar um contrato milionário com a editora Putnam, a versão americana da inglesa Penguin Books. O contrato prevê o lançamento de três thrillers religiosos, um por ano. O primeiro já foi lançadoe chama-se “A Mentira Sagrada”.
Se no “O Último Papa” acompanhamos o curto papdo, 33 dias, de João Paulo I, e no “Bala Santa” seguimos de perto a trama por tràs do atentado a João Paulo II, em 1981, agora é a vez de seguirmos uma trama repleta de homicídios no início do pontificado de Bento XVI.
Mudam-se os papas e as polémicas mas mantém-se um elemento comum: Sarah Monteiro. Esta jornalista portuguesa que trabalha para o The Times volta a ser arrastada para uma investigação muito perigosa sobre a possibilidade de Jesus Cristo nunca ter sido crucificado. Aliás este romance coloca em causa muitas das coisas que temos por certas. Será que a maior parte dos protagonistas da Bíblia existiram? Jesus nasceu mesmo em Belém? Um documento encontrado em Qumran pode ajudar a tirar muitas dúvidas e muitas vidas.
Acompanhada pelo padre/detective Rafael Santini, Sarah vai desmontar mais uma trama complexa que envolve os braços mais negros e desconhecidos da igreja católica.
Luis Miguel Rocha é muitas vezes comparado a Dan Brown. Se isso significa bons thrillers e tramas envolventes, então creio que o autor português não terá pelo que se aborrecer com a comparação.
Este é um belíssimo livro cheio de informação sobre os bastidores da Santa Sé, crimes, conspirações e suspense. Incompreensível continua a ser o muro de silêncio que levou a que este autor seja mais conhecido no estrageiro que no seu país.
Este romance tem tudo para ser um best-seller e a Porto Editora fez uma aposta que só pode ser ganhadora.


quarta-feira, 16 de março de 2011

"Há quem use a dor das vítimas para justificar perseguições"

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José Manuel Fajardo nasceu em Madrid, já viveu em Paris e reside hoje em Lisboa. Bem que se podia fazer a analogia do judeu erante, mas isso seria demasiado óbvio ara um escritor que tem tratado a questão da perseguição dos judeus na Península Ibérica e que conhece o seu derradeiro capítulo neste recente romance “O meu nome é Jamaica”. Um especialista na história da comunidade judaica espanhola aparentemente enlouquece, arrastando consigo uma amiga para uma verdadeira aventura que os levará ao Peru e à análise da revolta dos Incas contra o colonizadores. Parece confuso? Mas não é, trata-se de um exercício literário que cruza o romance histórico com o romance contemporâneo, dedicando-se a analisar a instrumentalização das vítimas e a reorganização dos sentimentos e da vida. Ao Fórum, o autor falou de algumas das questões que o apoquentam, como esse binómio carcereiro e prisoneiro que odos os seres humanos encerram.



Como é que lhe surgiu esta ideia de escrever sobre o património dos judeus espanhóis convertidos à Igreja Católica?
Este livro faz parte de todo o meu trabalho como escritor ao longo de 20 anos. O tema dos judeus espanhóis convertidos ao catolicismo, que ficaram em Espanha, é um tema que me interessa muito e que faz parte de um passado de Espanha que foi deixado de lado pela versão oficial da identidade espanhola, que começou a seguir à Inquisição e chegou até Franco. Essa ideia passava por uma identidade unicamente católica. A realidade histórica é muito diferente. A Espanha, por sete séculos, foi um espaço onde judeus, católicos e muçulmanos, viveram juntos. Depois tudo isto foi destruído com a conquista do reino de Granada e a imposição desta versão da história unidimensional. Eu tentei recuperar estas raízes esquecidas, através de alguns romances.

E este “O meu nome é Jamaica” é um romance que desempenha um papel importante na sua obra.
Este romance é uma espécie de conclusão desse trabalho de 20 anos. Eu escrevi romances históricos no século XV e XVI, com a descoberta e fixação dos espanhóis no Novo Mundo. Escrevi sobre o século XVII e a pirataria e a expulsão dos muçulmanos de Espanha. Tenho também romances mais contemporâneos sobre a ETA e o país Basco ou como no “Água na Boca” que era sobre um romance numa cidade de Paris multi-étnica. Este novo romance cruza os dois universos, o romance histórico e os temas da actualidade como os limites da felicidade.
Com este romance quis reconciliar estes dois caminhos de escrita, coma ideia de que todos nós somos seres históricos. A História é o fio do tempo que nos conduz até hoje

Neste momento, em que há um certo clima de anti-semitismo, é curioso que se escrevam tantos romances sobre o universo judaico. Só sobre a Grácia Nasi escreveram-se várias biografias. Sente que isso é uma espécie de resposta?
Eu não sinto o meu livro como uma defesa de qualquer ataque ao povo judeu. O que há é muitas críticas ao Estado de Israel. O Estado de Israel é um Estado de Direito como qualquer outro e que pode ser criticado. Outra coisa é o poder instalado em Israel utilizar a história do povo judeu para não ser criticado. Mas isso já é uma manipulação muito triste de um passado trágico. Não acho que o anti-semitismo seja maior agora que no passado. Acho que a comunidade judia é mais respeitada hoje.
O meu livro é mais sobre as lições que podemos tirar da história do povo judeu. A perseguição dos judeus faz parte da história mais obscura da história da humanidade. É uma sucessão de perseguições àqueles que são diferentes. Este é um exemplo terrível de intolerância e é o núcleo da construção da história europeia, começando na Inquisição – que foi a primeira grande máquina de perseguição da modernidade – e chega até hoje com as polémicas em torno da constituição do Estado de Israel. Não nos podemos esquecer que os europeus, depois da perseguição que fizeram aos judeus na II Grande Guerra resolveram criar um Estado de Israel, não na Europa, mas no Médio Oriente. Os judeus nunca tiveram problemas com o Médio oriente até ao momento em que os Europeus decidiram criar Israel.

E nesse momento acaba por acontecer uma inversão, o perseguido passa a perseguidor?
Para mim é muito interessante olhar para este fenómeno e tentar perceber como se chegou a este ponto, ao ponto de termos a população palestiniana a viver em regime de perfeito “apartheid”.
É interessante perceber que o mesmo povo que foi perseguido ao longo da história, assim que teve a sua própria estrutura de Estado conseguiu desenvolver, também ele, políticas de perseguição contra os outros.
Este é um tema que é importante discutir e pensar. È preciso trazer a questão das vítimas para cima da mesa, assim como a função social das vítimas assim como a manipulação da dor das vítimas para justificar novas injustiças. Todo este tema é muito delicado e difícil de tratar. Eu procurei um caminho um pouco estranho, o caminho da literatura, para falar de todos estes fenómenos de uma forma irónica. Assim talvez consiga responder às minhas inquietações mas sem fazer um livro político ou de tese. É um livro que tenta responder a perguntas, que tenta reflectir sobre este universo de perseguições e vítimas.




 

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