quarta-feira, 16 de março de 2011

"Há quem use a dor das vítimas para justificar perseguições"

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José Manuel Fajardo nasceu em Madrid, já viveu em Paris e reside hoje em Lisboa. Bem que se podia fazer a analogia do judeu erante, mas isso seria demasiado óbvio ara um escritor que tem tratado a questão da perseguição dos judeus na Península Ibérica e que conhece o seu derradeiro capítulo neste recente romance “O meu nome é Jamaica”. Um especialista na história da comunidade judaica espanhola aparentemente enlouquece, arrastando consigo uma amiga para uma verdadeira aventura que os levará ao Peru e à análise da revolta dos Incas contra o colonizadores. Parece confuso? Mas não é, trata-se de um exercício literário que cruza o romance histórico com o romance contemporâneo, dedicando-se a analisar a instrumentalização das vítimas e a reorganização dos sentimentos e da vida. Ao Fórum, o autor falou de algumas das questões que o apoquentam, como esse binómio carcereiro e prisoneiro que odos os seres humanos encerram.



Como é que lhe surgiu esta ideia de escrever sobre o património dos judeus espanhóis convertidos à Igreja Católica?
Este livro faz parte de todo o meu trabalho como escritor ao longo de 20 anos. O tema dos judeus espanhóis convertidos ao catolicismo, que ficaram em Espanha, é um tema que me interessa muito e que faz parte de um passado de Espanha que foi deixado de lado pela versão oficial da identidade espanhola, que começou a seguir à Inquisição e chegou até Franco. Essa ideia passava por uma identidade unicamente católica. A realidade histórica é muito diferente. A Espanha, por sete séculos, foi um espaço onde judeus, católicos e muçulmanos, viveram juntos. Depois tudo isto foi destruído com a conquista do reino de Granada e a imposição desta versão da história unidimensional. Eu tentei recuperar estas raízes esquecidas, através de alguns romances.

E este “O meu nome é Jamaica” é um romance que desempenha um papel importante na sua obra.
Este romance é uma espécie de conclusão desse trabalho de 20 anos. Eu escrevi romances históricos no século XV e XVI, com a descoberta e fixação dos espanhóis no Novo Mundo. Escrevi sobre o século XVII e a pirataria e a expulsão dos muçulmanos de Espanha. Tenho também romances mais contemporâneos sobre a ETA e o país Basco ou como no “Água na Boca” que era sobre um romance numa cidade de Paris multi-étnica. Este novo romance cruza os dois universos, o romance histórico e os temas da actualidade como os limites da felicidade.
Com este romance quis reconciliar estes dois caminhos de escrita, coma ideia de que todos nós somos seres históricos. A História é o fio do tempo que nos conduz até hoje

Neste momento, em que há um certo clima de anti-semitismo, é curioso que se escrevam tantos romances sobre o universo judaico. Só sobre a Grácia Nasi escreveram-se várias biografias. Sente que isso é uma espécie de resposta?
Eu não sinto o meu livro como uma defesa de qualquer ataque ao povo judeu. O que há é muitas críticas ao Estado de Israel. O Estado de Israel é um Estado de Direito como qualquer outro e que pode ser criticado. Outra coisa é o poder instalado em Israel utilizar a história do povo judeu para não ser criticado. Mas isso já é uma manipulação muito triste de um passado trágico. Não acho que o anti-semitismo seja maior agora que no passado. Acho que a comunidade judia é mais respeitada hoje.
O meu livro é mais sobre as lições que podemos tirar da história do povo judeu. A perseguição dos judeus faz parte da história mais obscura da história da humanidade. É uma sucessão de perseguições àqueles que são diferentes. Este é um exemplo terrível de intolerância e é o núcleo da construção da história europeia, começando na Inquisição – que foi a primeira grande máquina de perseguição da modernidade – e chega até hoje com as polémicas em torno da constituição do Estado de Israel. Não nos podemos esquecer que os europeus, depois da perseguição que fizeram aos judeus na II Grande Guerra resolveram criar um Estado de Israel, não na Europa, mas no Médio Oriente. Os judeus nunca tiveram problemas com o Médio oriente até ao momento em que os Europeus decidiram criar Israel.

E nesse momento acaba por acontecer uma inversão, o perseguido passa a perseguidor?
Para mim é muito interessante olhar para este fenómeno e tentar perceber como se chegou a este ponto, ao ponto de termos a população palestiniana a viver em regime de perfeito “apartheid”.
É interessante perceber que o mesmo povo que foi perseguido ao longo da história, assim que teve a sua própria estrutura de Estado conseguiu desenvolver, também ele, políticas de perseguição contra os outros.
Este é um tema que é importante discutir e pensar. È preciso trazer a questão das vítimas para cima da mesa, assim como a função social das vítimas assim como a manipulação da dor das vítimas para justificar novas injustiças. Todo este tema é muito delicado e difícil de tratar. Eu procurei um caminho um pouco estranho, o caminho da literatura, para falar de todos estes fenómenos de uma forma irónica. Assim talvez consiga responder às minhas inquietações mas sem fazer um livro político ou de tese. É um livro que tenta responder a perguntas, que tenta reflectir sobre este universo de perseguições e vítimas.




 

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