sexta-feira, 7 de maio de 2010

Francisco José Viegas para a África do Sul, já.


"Era o dia 16 de julho de 1950. Quatro horas e cinquenta minutos. Como é que eu não consigo esquecer esse horendo dia? Trinta - trinta, puta que pariu! -, trinta oportunidades de gol perdidas pelo nosso time e, inesperadamente, o Ghiggia chuta torto e a bola passa entre a trave e o nosso goleiro Barbosa, que fechara o ângulo corretamente. O nosso Barbosa e todos os duzentos mil espetadores - que ninguém esperava que o Ghiggia errasse o chute, e errando nos causasse toda aquela desgraça. (...) Quando o jogo acabou, o silêncio foi profundo, tão estrondoso (perdoem o oximoro) que doía em nossos ouvidos. Duzentas mil pessoas mudas e surdas. Até os choros eram silenciosos, e as lágrimas escorriam apenas dos olhos mais fortes, aqueles que não haviam ficado transidos, estarrecidos e obnubilados com a desgraça que se abatera sobre nós."
in "O romance morreu", Rubem Fonseca, 2007, Companhia das Letras

Este trecho faz parte de uma crónica de Rubem Fonseca sobre o mais trágico dos campeonatos do mundo para os brasileiros, o Brasil'50.
A jogar num Maracanã lotado, a selecção brasileira despedaçou a Suécia (7-1) e a Espanha (6-1). Na final, um Uruguai matreiro abateu o sonho de milhões. Jules Rimet acabou por entregar a taça à selecção vencedora sem pompa nem circunstância, erante a debandada geral, do publico e da organização. Estes e outros relatos das venturas e desventuras do futebol brasileiro chegam até nós por alguns dos escritores mais talentosos que o Brasil conheceu. Nelson Rodrigues foi de todos o melhor a relatar os dramáticos remates ao coração de uma pátria em chuteiras. Crónicas que se encontram reunidas nos volumes "À sombra das chuteiras imortais" ou "A pátria em chuteiras".
Portugal ainda não encontrou uma voz capaz registar um mundial como deve ser. Por isso acho que deveríamos fazer uma vaquinha para levar o Francisco José Viegas à África do Sul. Ele e o Jaime Ramos. Os dois devem-nos um mês de crónicas diárias sobre o mundial. Os dois devem-nos um livro de crónicas sobre o mundial. Só eles serão capazes de escrever o inevitável, tal como Nelson Rodrigues escreveu:
“Todavia, a nossa vitória está ameaçada, e por quem? Respondo: - pela nossa burrice. De quando em vez, eu faço a justa, a exata autocrítica nacional: - somos burros! somos burríssimos!”
in "A batalha da burrice", Nelson Rodrigues, 1962, Jornal dos Sports

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