quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Veni, vidi, vici


O Seminarista
Rubem Fonseca
Sextante

Rubem Fonseca tem tanto de genial e incontornável na literatura de língua portuguesa, como tem de ignorado por terras lusas.
Editado durante vários anos na extinta Campo das Letras (diga-se que sem grande investimento de divulgação e promoção), o criador do movimento brutalista conhece, aos 85 anos, a criação de uma coleção em nome próprio na Sextante.
A inauguração desta empreitada literária fez-se com o seu mais recente romance, “O Seminarista”. Fonseca é um daqueles grandes escritores que encontrou no ambiente policial o seu habitat. Para isso em muito terá contribuido a sua experiência como delegado de polícia, uma vivência que acabou por contribuir para o rigor dos ambientes e ação dos seus romances.
Desengane-se quem pensar que estamos perante romances onde o único foco de interesse está em perceber se o assassino é o mordomo. Nada disso. Os romances de Rubem Fonseca são romances sobre a vida, sobre a natureza humana, sobre os mais profundos meandros da mente, sobre a sociologia de um país muito disfuncional e rasgado por um fosso económico.
Na maior parte dos seus romances somos levados a acompanhar um sedutor detective privado de nome Mandrake. Mandrake será uma espécie de primo do inspector Jaime Ramos, criado por Francisco José Viegas. Aliás os dois chegam a cruzar-se no romance de Viegas "Londe Manaus", num exercício de crossover típico da banda desenhada, mas pouco utilizado na literatura portuguesa.
Neste “O Seminarista” acompanhamos um assassino profissional, que reúne todos os fetiches do autor (o gosto pelas mulheres, por vinho português e por literatura clássica).
José Kibir, nome falso adotado pelo matador, baseado numa fixação na Batalha de Alcácer Quibir, vê-se envolvido numa complexa teia de perseguições e ajustes de contas no exato momento em que decide abandonar a sua ocupação.
Este não será, de todo, o melhor dos romances deste Prémio Camões (2003). Mas este é, sem margem para dúvidas, uma das melhores portas de entrada na obra do autor de “A Grande Arte” ou de “Diário de um Fescenino”.
Fonseca é responsável pela chamada para a literatura e nomes óbvios como os de Patrícia Melo, autora de "O Matador" ou "O Elogio da Mentira" e se estende até uma mais discutível Fernanda Young, autora de "Aritmética" e roteirista da série humorística "Os Normais".
Rubem Fonseca merece uma maior visibilidade pelo que a criação desta coleção da Sextante é uma ótima notícia. Para fevereiro do próximo ano está agendada a edição de “Bufo & Spallanzani”. Isso e uma muito esperada visita a Portugal para participar nas "Correntes D'Escrita", o que a acontecer será um feito digno de nota, pois há décadas que Rubem Fonseca se tornou avesso a entrevistas e a fotografias.

Crimes
Ferdinand Von Schirach
D Quixote

Sem deixar o universo do crime, volto-me agora para o alemão Ferdinad Von Schirach e o seu “Crimes”.
Quem leu os “Crimes Exemplares” de Max Aub, tomou contacto com um universo de homícios frios e que banalizam a crueldade. Schirach mantém a mesma fasquia e constrói um conjunto de 11 contos que exploram o lado mais negro da humanidade. 
Aub um ótimo escritor espanhol, de origem alemã e francesa, criou uma série de histórias a partir de um suposto contacto com homicidas em estabelecimentos prisionais. O que os "Crimes Exemplares" fazem é tornar compreensível o incompreensível. Como pode um barbeiro matar um cliente por causa de uma borbulha, como pode alguém matar um amigo por causa de umas horas de frio e chuva. Aub consegue explicar esses ímpetos e tornar mais perceptível a banalidade do assassínio.
Ferdinad Von Schirach, um advogado habituado à barra e a defender casos aparentemente indefensáveis, pega em crimes cruéis para lhes dar um sopro de piedade, um fundo de admissibilidade.
Estes são contos moralmente interessantes, já que, não raras vezes, somos desafiados a tomar o partido do homicida. 
Um médico, que vive subjugado por uma mulher tenebrosa, um dia decide matá-la à machadada. Uma irmã que, por piedade, mata o irmão, marcado por um profundo traumatismo craniano. Um jovem pobre que faz um assalto e consegue inteligentemente fazer com que o tribunal o ilibe. São alguns dos exemplos dos desafios éticos e morais lançados por este “Crimes”. 
Schirach 
Esta reunião de contos é uma execelente companhia já que une a boa escrita à inquietação intelectual.

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