quinta-feira, 1 de julho de 2010

O desempoeirado charme da burguesia




Começou por ser conhecida como autora do blogue “Sushi Leblon”, daí a ser convidada para escrever um romance foi um passo – que só Podia ser dado pelo editor e escritor Francisco José Viegas. Mónica Marques, uma betinha portuguesa a viver no Rio de Janeiro, estreou-se com “Transa Atlântica”. Sentada nas escadas de uma biblioteca, Mónica falou do bem que o Brasil lhe fez, do facto do tamanho ser importante e de como, para ela, até o medo e saudável. Sendo beta e cronista (de pessoas, relações e desejos), Mónica bem que podia passar por uma versão luso-brasileira da Carrie Bradshaw da série “Sexo e a Cidade”, não fosse o facto de ser muito mais gira do que Sarah Jessica Parker. 

Fórum (F) - Num meio literário que se leva tanto a sério e que é tão “papo-cabeça” como é que se encaixa?
Mónica Marques (MM) – Eu sei, mais ou menos, o que é o meio literário daqui, mas não me preocupo muito com isso e acho que há espaço para toda a gente. Há espaço para gente como eu, que não liga muito à solenidade da literatura. Eu venho dos blogues e tenho muito orgulho nisso. Não me preocupo muito com isso.
F – …eu colocava a questão do ponto de vista da sua forma de estar na escrita, uma postura muito desempoeirada.
MM – Tem a ver com a nossa idade. Eu cresci a ler o Miguel Esteves Cardoso, logo é natural que eu escreva como escrevo. A gente vai evoluindo. Eu tenho outras referências. É um facto que li os clássicos, mas a minha escrita está mais perto de outros registos, como as crónicas, como o Miguel. A minha escrita está mais perto de um cronismo literário que se faz no Brasil e que aqui não se faz.
F – Estará mais perto de nomes como o Ivan Lessa, Nelson Rodrigues…
MM – Sim tem razão, as minhas referências são mais essas. Tenho poucas referências portuguesas. Eu venho do jornalismo e quando cheguei ao Brasil comecei a ler os cronistas brasileiros. Eles são fantásticos, muito desempoeirados. Cá não há
Cronistas assim. O mais parecido que temos é o Miguel Esteves Cardoso. Eu peguei no que li da crónica brasileira e fiz algo de parecido. Mesmo a linguagem do blogue é muito directa. Eu não considero o que escrevo de literatura. Eu acho que e algo diferente. Não sei dizer o que é. É o resultado dessas leituras e da minha idade.
F – Sinto neste momento a literatura brasileira mais viva, mais dinâmica que a portuguesa…
MM - …e mais desempoeirada, olhe para o Rubem Fonseca. O meu sonho é poder, um dia, escrever como ele.
F – Sente que os escritores brasileiros se concentram mais em escrever uma boa história do que na forma como o vão fazer?
MM – Sim. Eles não estão cá com rodriguinhos. Por exemplo, a nível de forma aquilo que eu escrevo não tem forma. As pessoas que leram o meu livro ficam com a sensação de “o que é isto?”. É capaz de ser uma coisa nova, um caminho literário novo.
F – Porque acha que há essa diferença toda entre as duas literaturas
MM – Acho que se deve ao peso da história que nós temos e eles não. Eles não têm história nenhuma. Às vezes costumo dizer que os brasileiros são todos umas crianças, eles ainda estão a crescer. Portanto eles dão-se possibilidades que nós não nos podemos dar. O Francisco José Viegas (meu editor) disse-me: “tu não penses em fazer literatura. Tu fazes aquilo que sabes fazer bem e nós vamos encontrar um caminho”. É óbvio que os brasileiros têm uma aproximação à vida, que transparece em tudo o que escrevem, que é muito diferente da nossa.  

F – Como é que lidou com o facto de a colarem à narradora, como é que explicou que aquela voz não é a Mónica Marques?
MM – Não expliquei. Não me interessa. Cada um lê da maneira que quiser. Se quer pensar que sou eu, que pense. Se quer pensar que é outra pessoa, tudo bem. O que quero é que o livro divirta as pessoas. O importante é a história, que fala de dois países diferentes e do que faz o Brasil a uma pessoa, que já lá está há 10 anos.
F – É melhor ser humano depois destes 10 anos de Brasil?
MM – Muito melhor e aprendi muitas coisas. Aprendi a ouvir. Aprendi a ouvir as histórias das outras pessoas, não pensando naquilo que elas são. Nós, aqui, temos aquela coisa dos doutores e acabamos por não ligar a pessoas com histórias de vida interessantíssimas. O que o Brasil me deu foi isso, a capacidade de entender a diversidade. Quando saí daqui era…

F - …era mais patricinha (betinha), em Portugal, do que agora?
MM – Eu sou uma burguesa.

F – Mas o Brasil não a “desaburguesou”?
MM – Sim, na medida em que no Rio de Janeiro as pessoas conhecem-se na praia. Quando conhece uma pessoa na praia não está a olhar para o que traz vestido, para o chinelo, para nada. Portanto há uma democratização muito grande.

F – Escreve para divertir os outros, mas pressinto alguma angústia perante o processo, os prazos, os telefonemas do editor…
MM – O Francisco não faz nada disso. Há alguma angústia, mas não sou uma escritora angustiada. Escrever é um prazer, ainda que ler seja um prazer ainda maior. Há um medo saudável, não preciso de sofrer muito para escrever.

F – Olhando para o jornalismo brasileiro, por exemplo para a Revista Veja, levanta-se uma questão: porque é que este jornalismo não é possível em Portugal?
MM – Não sei. Eu acho que eles são muito melhores jornalistas, a todos os níveis, do que nós. O que vou dizer é um “achismo” meu, nós somos muito pequeninos. Isto é muito pequenino. Por isso é muito difícil aparecerem coisas novas, as pessoas não se abrem à novidade. Lá não. O Brasil é muito grande, acho que tem que ver com o tamanho dos países. Se calhar é isso que faz com que eles tenham um jornalismo mais próximo do modelo americano, do modelo de investigação. Cá não. Aqui toda a gente se conhece.
F – Há um jornalismo mais vivo, mais directo. Um jornalismo sem medo.
MM – Nem sempre foi assim. Este registo é algo novo. Eles são muito críticos, apontam o dedo. É um facto que há muita coisa a saber-se agora e capaz de ser explorada e isso ajuda.
F – Já está a escrever o próximo livro?
MM – Estou e é uma dor. Uma dor grande. Este primeiro livro foi muito bem recebido e por isso há um receio saudável em relação ao segundo.
F – É estranho que tenha sido bem recebido, já que se trata de um livro de uma estrangeirada, que escreve umas coisas muito directas e soltas sobre a vida, sexo…
MM – é incrível. Não me pergunte, não sei. Acho que deve haver um público para isto. O Francisco diz que sim. Espero que sim.

   

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