sexta-feira, 2 de julho de 2010

Portugal tem muitos traços rocambolescos


João Ferreira, editor da revista NS (parte integrante do Jornal de Notícias e Diário de Notícias), já nos tinha plantado um sorriso com o livro “Frases que Fizeram a História de Portugal”. O volume reunia frases como a famosa declaração do Almirante Américo Tomás, “é a primeira vez que estou cá desde a última vez que cá estive”. Agora a proposta vai para um conjunto de histórias, que apelidou de rocambolescas, e que servem para entender momentos que marcaram a nossa História. Do processo dos Távoras, passando pela inexistência da Escola de Sagres e terminando num governo que durou cinco minutos, há de tudo como na farmácia. Ao Fórum, João Ferreira falou  desta peripécia chamada Portugal e impossibilidade de procurar, nestes episódios, receitas para o atual estado de saúde pátrio. 


Marechal na Reserva (MR) – Como é que surgiu a ideia desta antologia de histórias inusitadas da História de Portugal?

João Ferreira (JF) – Partiu de um convite da editora Esfera dos Livros na sequência da boa aceitação de um outro livro, “Frases que Fizeram a História de Portugal”, escrito a meias com o Ferreira Fernandes.

MR – Em Portugal, durante muitos anos, o tratamento da história sempre foi visto de uma forma muito académica, muito científica. Nos últimos anos, começamos a ter livros que trabalham a história de uma forma mais acessível ao grande público, mais jornalística.

JF – Felizmente, hoje em dia, temos uma forma muito diferente de entender a leitura da história. Essa mudança já tinha começado com um grande divulgador da História de Portugal que é o professor José Hermano saraiva. Os livros dele já faziam, há mais de 25 anos, uma abordagem à História muito mais acessível. O que aconteceu foi que ele pregou no deserto durante muitos anos. Os olhos só se voltram para a História após a publicação da monumental História de Portugal do professor José Mattoso, muito embora tenha sido escrita por grandes especialistas. A verdade é que a divulgação da História tem ganho terreno nos últimos anos, muito mercê do interesse das pessoas por histórias que constam da História, mas de uma forma menos académica. O ensino acabou por tirar as pessoas da História, tirou os rostos, as caras da História. Hoje, as pessoas querem ler esses episódios históricos com os rostos de quem os viveu.Durante muito tempo era quase um pecado falar-se nos heróis da História, nos reis. Tudo isso, nos últimos tempos, tem estado a alterar-se.

MR – Ao escrever estas histórias rocambolescas, teve a preocupação de cruzar o rigor científico com uma forma mais viva e atrativa de contar os episódios?

JF – Exatamente. Eu sou jornalista e a minha função é comunicar. Quando aplico isso à História o que faço é, depois de investigar os episódios e momentos que entendo como interessantes, na extensa bibliografia que já vai existindo, apresento-as de uma forma acessível e direta, de forma a prender as pessoas à leitura. Não há aqui qualquer intenção de atingir o escalão A, B, C ou D. Eu quis chegar a toda a gente e que as pessoas pudessem apreciar a História de Portugal. Eu quis fazer um livro de divulgação.

MR – Tem crescido muito o interesse pelo romance histórico e pelos livros de divulgação histórica, acha que isso se deve ao facto de vivermos momentos de grande incerteza quanto ao Presente e ao Futuro?

JF – Este é um fenómeno que chegou já tardiamente ao nosso país. Por exemplo a biografia é um género literário que tem grande aceitação no Reino Unido, há muito tempo. Quando vemos as tabelas dos mais vendidos percebemos que a não ficção e a biografia são géneros muito respeitados. Em Portugal chegou tarde, mas chegou. No caso do romance histórico tivemos um alargamento. Há muito que temos grandes cultores do género, como o Alexandre Herculano.

MR – Não entende então que seja reflexo de um processo de auto-conhecimento?

JF – Não tenho certezas quanto a isso, mas não me custa nada a crer que as pessoas, perante uma situação, como bem descreve, de incerteza, procurem na históriua algumas respostas. Nós hoje somos aquilo que os nossos antepassados fizeram. Agora não podemos ir ao passado procurar receitas, temos de ser nós a produzir essas receitas.

MR – Olhando esta profusão de histórias que cruzam todas as épocas, fica a ideia de que somos um país bastante rocambolesco.

JF – Temos muitos traços rocambolescos. Eu procurei explicar na introdução o que se entende por rocambolesco e fiz a analogia com o personagem Rocambole, criado pelo escritor francês Pierre Ponson du Terrail, que contava histórias incríveis e fantásticas e que deu origem à palavra rocambolesco em quase todas as línguas.
Nós, em Portugal, temos um passado feitos de histórias dessas a começar pela “Peregrinação”, do Fernão Mendes Pinto. Aliás as pessoas não acreditam naquele relato e ele dizia que não tinha contado nem metade do que tinha visto. A nossa história tem de tudo, desde momentos de grande altruísmo e solidariedade de grandes e pequenos, até momentos de grande crueldade. De facto nos últimos anos tivemos alguns episódios bastante rocambolescos, desde logo a começar pela história do governo dos cinco minutos, durante a I República. Ou então, já mais perto de nós, a história do governo de Pinheiro de Azevedo que fez greve, em 1975. 

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