João Ferreira,  editor da revista NS (parte integrante do Jornal de Notícias e Diário de  Notícias), já nos tinha plantado um sorriso com o livro “Frases que  Fizeram a História de Portugal”. O volume reunia frases como a famosa  declaração do Almirante Américo Tomás, “é a primeira vez que estou cá  desde a última vez que cá estive”. Agora a proposta vai para um conjunto  de histórias, que apelidou de rocambolescas, e que servem para entender  momentos que marcaram a nossa História. Do processo dos Távoras,  passando pela inexistência da Escola de Sagres e terminando num governo  que durou cinco minutos, há de tudo como na farmácia. Ao Fórum, João  Ferreira falou  desta peripécia chamada Portugal e impossibilidade de  procurar, nestes episódios, receitas para o atual estado de saúde  pátrio.  
Marechal na Reserva (MR) –  Como é que surgiu a ideia desta antologia de histórias inusitadas da  História de Portugal?
João Ferreira (JF) – Partiu de um convite da editora Esfera  dos Livros na sequência da boa aceitação de um outro livro, “Frases que  Fizeram a História de Portugal”, escrito a meias com o Ferreira  Fernandes. 
MR – Em Portugal, durante muitos anos, o tratamento da história  sempre foi visto de uma forma muito académica, muito científica. Nos  últimos anos, começamos a ter livros que trabalham a história de uma  forma mais acessível ao grande público, mais jornalística.
JF – Felizmente,  hoje em dia, temos uma forma muito diferente de entender a leitura da  história. Essa mudança já tinha começado com um grande divulgador da  História de Portugal que é o professor José Hermano saraiva. Os livros  dele já faziam, há mais de 25 anos, uma abordagem à História muito mais  acessível. O que aconteceu foi que ele pregou no deserto durante muitos  anos. Os olhos só se voltram para a História após a publicação da  monumental História de Portugal do professor José Mattoso, muito embora  tenha sido escrita por grandes especialistas. A verdade é que a  divulgação da História tem ganho terreno nos últimos anos, muito mercê  do interesse das pessoas por histórias que constam da História, mas de  uma forma menos académica. O ensino acabou por tirar as pessoas da  História, tirou os rostos, as caras da História. Hoje, as pessoas querem  ler esses episódios históricos com os rostos de quem os viveu.Durante  muito tempo era quase um pecado falar-se nos heróis da História, nos  reis. Tudo isso, nos últimos tempos, tem estado a alterar-se.
MR – Ao  escrever estas histórias rocambolescas, teve a preocupação de cruzar o  rigor científico com uma forma mais viva e atrativa de contar os  episódios? 
JF – Exatamente. Eu sou jornalista e a minha função é  comunicar. Quando aplico isso à História o que faço é, depois de  investigar os episódios e momentos que entendo como interessantes, na  extensa bibliografia que já vai existindo, apresento-as de uma forma  acessível e direta, de forma a prender as pessoas à leitura. Não há aqui  qualquer intenção de atingir o escalão A, B, C ou D. Eu quis chegar a  toda a gente e que as pessoas pudessem apreciar a História de Portugal.  Eu quis fazer um livro de divulgação.
MR – Tem crescido muito o interesse pelo romance histórico e  pelos livros de divulgação histórica, acha que isso se deve ao facto de  vivermos momentos de grande incerteza quanto ao Presente e ao Futuro?
JF – Este é um  fenómeno que chegou já tardiamente ao nosso país. Por exemplo a  biografia é um género literário que tem grande aceitação no Reino Unido,  há muito tempo. Quando vemos as tabelas dos mais vendidos percebemos  que a não ficção e a biografia são géneros muito respeitados. Em  Portugal chegou tarde, mas chegou. No caso do romance histórico tivemos  um alargamento. Há muito que temos grandes cultores do género, como o  Alexandre Herculano.
MR – Não entende então que seja reflexo de um processo de  auto-conhecimento?
JF – Não tenho certezas quanto a isso, mas não me custa nada a  crer que as pessoas, perante uma situação, como bem descreve, de  incerteza, procurem na históriua algumas respostas. Nós hoje somos  aquilo que os nossos antepassados fizeram. Agora não podemos ir ao  passado procurar receitas, temos de ser nós a produzir essas receitas.
MR – Olhando  esta profusão de histórias que cruzam todas as épocas, fica a ideia de  que somos um país bastante rocambolesco.
JF – Temos muitos  traços rocambolescos. Eu procurei explicar na introdução o que se  entende por rocambolesco e fiz a analogia com o personagem Rocambole,  criado pelo escritor francês Pierre Ponson du Terrail, que contava  histórias incríveis e fantásticas e que deu origem à palavra  rocambolesco em quase todas as línguas.
Nós, em Portugal, temos um passado feitos de histórias dessas a  começar pela “Peregrinação”, do Fernão Mendes Pinto. Aliás as pessoas  não acreditam naquele relato e ele dizia que não tinha contado nem  metade do que tinha visto. A nossa história tem de tudo, desde momentos  de grande altruísmo e solidariedade de grandes e pequenos, até momentos  de grande crueldade. De facto nos últimos anos tivemos alguns episódios  bastante rocambolescos, desde logo a começar pela história do governo  dos cinco minutos, durante a I República. Ou então, já mais perto de  nós, a história do governo de Pinheiro de Azevedo que fez greve, em  1975.